Trabalho infantil na agricultura é um dos piores para infância, alerta procuradora

A declaração do governador Rui Costa para flexibilizar o calendário escolar de unidades educacionais da zona rural para que as crianças possam ajudar os pais nas colheitas  deve ser encarada como equivocada para a procuradora do Trabalho Virginia Senna, coordenadora do núcleo de Combate ao Trabalho Infantil, do Ministério Público do Trabalho na Bahia (MPT-BA). A procuradora acredita que a declaração do governador foi um “lapso, um equívoco, ou coisa assim”, já que o Governo Estadual, através das secretarias de Justiça, do Trabalho e da Educação, desenvolvem políticas públicas para o combate ao trabalho infantil. A procuradora ainda acrescenta “que todo mundo sabe que o trabalho infantil é proibido”.

Apesar de ponderar que a fala não deve ter um fundo de verdade, Virginia Senna alerta para os riscos do trabalho infantil na zona rural, sobretudo em atividades como agricultura, pecuária e silvicultura, por serem consideradas algumas das que mais trazem prejuízos às crianças. A Lista TIP – das Piores formas de Trabalho Infantil – foi instituída através do Decreto 6481/2008 e editada em conformidade com a Convenção 188 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O decreto lista todas opções de trabalho que são proibidas para menores de 18 anos. A Constituição Federal e a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) só permite o trabalho para menores de idade na condição de aprendiz, atendendo aos requisitos da Lei da Aprendizagem, a partir dos 14 anos.

A situação do trabalho infantil na agricultura, atualmente, é considerada como “trabalho para próprio consumo”, ou seja, para a própria sobrevivência da criança ou de sua família. Desta forma, crianças e adolescentes, muitas vezes, pelo cansaço físico e mental, abandonam a escola para ajudar os pais no labor. Virginia Senna explica que esse trabalho, por vezes, ocorre ainda dentro das próprias casas, quando a criança tem a obrigação de cuidar dos afazeres domésticos, cuidar dos irmãos, ou ainda trabalhar em sinaleiras, com ou sem a presença do responsável.

 

A procuradora do Trabalho acredita que as melhores formas de se combater o trabalho infantil não são mais através da repreensão, com aplicação de multas. Tais medidas são aplicadas quando uma empresa explora mão de obra infantil. Para combater o trabalho na infância para a própria sobrevivência, são necessárias mais políticas públicas. “Esse é um público muito vulnerável. Sem políticas públicas para manter essas crianças e adolescentes nas escolas, vamos retroalimentar o ciclo excludente, perverso e da miséria social”, analisa. Virginia ainda exemplifica que o trabalho infantil é cíclico. Muitas vezes o pai de uma criança que trabalha hoje em dia, trabalhou na infância e não teve condições de estudar e se profissionalizar e, por isso, Senna acredita que é preciso romper o ciclo da pobreza.
Para combater o trabalho infantil na agricultura, a procuradora afirma que são necessárias medidas eficazes para que os pais não precisem levar os filhos para as lavouras para colheita. “Lugar de criança é na escola, e esse slogan é verdadeiro. A escola é um espaço de se aprender e brincar, para o desenvolvimento psicossocial. O caminho para melhorar a situação do país é a educação. E uma das melhores políticas públicas é a jornada ampliada nas escolas. Esse programa prevê atividades em um período posterior ao turno escolar. Também é preciso apoiar os pequenos produtores, através de cooperativas e associações. É um conjunto de ações para se combater o trabalho infantil que envolve diversos órgãos públicos”, assinala.

A procuradora, que atua no combate ao trabalho infantil desde a década de 1990, tem experiência no assunto quando se trata de trabalho na zona rural.  “Em 1994, demos início a ações para o combate ao trabalho infantil na região sisaleira da Bahia. Foram estas ações que deram origem ao programa Bolsa Escola, que depois se tornou o Bolsa Família. O pagamento do benefício ocorria com a contrapartida da criança estar matriculada em uma escola e ter frequência escolar. Foram construídos espaços para o programa do Jornada Ampliada em cinco municípios da região sisaleira, como Retirolândia e Santa Luz. Nesta época, crianças ficavam cegas na colheita do agave, pois a planta tem folha pontiaguda, que se assemelha com uma espada, e com espinhos. Como as crianças eram pequenas, os espinhos das folhas furavam seus olhos. Algumas crianças e adolescentes também eram mutiladas nas máquinas chamadas paraibanas, que desfibrilavam o agave. Entre outras ações para combater o trabalho infantil, foi estimulada a criação de cooperativas para produzir produtos a partir do agave. Essas cooperativas davam suporte aos pequenos produtores”, conta Virginia. Com o passar dos anos, o trabalho infantil naquela região foi diminuindo e as ações para o combate tiveram reconhecimento do Governo Federal na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

A procuradora afirma que órgãos como o MPT, Ministério Público da Bahia (MP-BA), Defensoria Pública e Superintendência Regional do Trabalho são fomentadores de políticas públicas para serem executadas pelos demais poderes. “Independente de divergências partidárias entre prefeitura e governo, as ações de combate ao trabalho infantil correm em harmonia. Vários programas são executados em parceria com o Município e o Governo, como no Carnaval de Salvador, com fiscalização, montagem de Centros de Convivência para filhos de ambulantes. Nós ainda temos o Comitê de Proteção Integral da Criança em grandes eventos, formado por diversas instituições”, destaca. O MPT coordena projetos de aprendizagem desde 2012, como o Cidadão Aprendiz, Sinaleiras e o Aprendizado na Medida, realizado dentro da Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), com jovens que cumprem medidas socioeducativas. O MPT também fiscaliza o cumprimento da Lei da Aprendizagem, que obriga as empresas a contratarem aprendizes, a partir dos 14 anos, e que estão matriculados no ensino regular. “Neste caso, o MPT observa as empresas que não cumprem a lei, propõe ações extrajudiciais, propõe acordo. Quando não há acordo para contratação de jovens aprendizes, na cota de 5% de seu quadro funcional, ingressa com uma ação judicial para ser julgada na Justiça do Trabalho”, explica.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *